IRPJ – PAT – Decreto nº 10.854/2021 – O Mesmo Erro sob Nova Roupagem

Conforme amplamente divulgado, o Decreto nº 10.854, de 10 de novembro de 2021, buscou, entre outras medidas, regulamentar o Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, conforme autoriza a Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976.

Contudo, o ato do Poder Executivo acabou promovendo alterações na dedutibilidade dos valores investidos pelas pessoas jurídicas no PAT ao alterar o Decreto nº 9.580/2018 (RIR/18), que passou a prever que: (i) a dedutibilidade será aplicável apenas com relação aos trabalhadores que recebam até cinco salários-mínimos; e (ii) deverá abranger somente a parcela do benefício correspondente ao valor máximo de um salário-mínimo.

Questionado pelo jornal Valor Econômico (ed. de 22/11/2021) sobre a possível ilegalidade das restrições acima indicadas – apontada por advogados especializados na área tributária – o Ministério do Trabalho respondeu que “A Lei do PAT dispõe que a regulamentação será feita por ato do Poder Executivo, assim todas as regras específicas do PAT poderão estar dispostas no Decreto, a exemplo das regras de dedução”.

Trata-se, com o devido respeito, de uma meia verdade, que acaba por incidir no mesmo equívoco que levou o Superior Tribunal de Justiça a afastar outros atos infralegais que buscaram restringir a dedutibilidade das quantias relacionadas ao PAT.

Em primeiro lugar, é correto afirmar que a Lei nº 6.321/76 outorgou a ato do Poder Executivo regulamentar a forma de execução do PAT. Ocorre que a mesma Lei nº 6.321/76, além de dispor sobre aspectos trabalhistas do PAT, previu a dedutibilidade das despesas em dobro na apuração do IRPJ (como despesa do exercício e como dedução direta do lucro real). E, nesse último aspecto, há reserva constitucional e legal de lei para dispor sobre eventuais restrições ao aproveitamento da dedutibilidade da despesa que, em última análise, significa aumento do imposto de renda da pessoa jurídica.

Como afirmou o Ministro Cezar Peluzo em voto apresentado no RE nº 208.526/RS: “Não é franqueado ao legislador infraconstitucional manipular, direta ou indiretamente, a noção constitucional de renda, alagando-lhe as fronteiras na edição da norma que institua o tributo. É inadmissível considerar válida lei ordinária que produza tal efeito, desvirtuando o sentido da categoria ´renda´”.

E há outras amarras que previnem que um Decreto, ato infralegal, produza efeitos de aumento da carga tributária, ainda que indiretamente pela restrição ao aproveitamento de despesas autorizadas por lei, notadamente os artigos 150, I, da Constituição Federal e 97, II e IV, do Código Tributário Nacional.

Essa mesma questão, com roupagem distinta, foi devidamente apontada pela jurisprudência pacífica do STJ, que concluíra pela ilegalidade da Portaria Interministerial nº 326/77 e da Instrução Normativa nº 5/91, pois “ato infralegal não pode restringir, ampliar ou alterar direitos decorrentes de lei”, sendo que aqueles analisados na época “estabeleceram limitações quanto à condição de gozo do incentivo fiscal relativo ao PAT, quando fixaram custos máximos para as refeições individuais oferecidas pelo programa”, (REsp 1217646/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 01/07/2013).

O mesmo destino, nos parece, está reservado com relação às limitações impostas pelo Decreto nº 10.854/21 à dedutibilidade das despesas com o PAT.