SOLUÇÃO DE CONSULTA ESCLARECE ACERCA DA TRIBUTAÇÃO DE REMESSAS AO EXTERIOR PARA PAGAMENTO DE LICENÇA DE USO DE SOFTWARE

Foi publicada, em 13 de junho de 2023, a Solução de Consulta COSIT nº 107/2023, que esclarece sobre a tributação pelo Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), PIS-Importação e COFINS-Importação incidentes sobre as remessas ao exterior para pagamento de licença de uso de software.

A referida Solução de Consulta deve ser compreendida no contexto da alteração da jurisprudência do STF sobre softwares, como julgamento das ADI nºs 1.945/MT e 5.659/MG. Prevaleceu durante muito tempo a jurisprudência do STF no sentido de que a remuneração por software feito por encomenda ou customizado decorreria da prestação de serviços e, portanto, estaria sujeita à incidência do ISS. Por outro lado, os softwares “de prateleira” estariam sujeitos ao ICMS, sobre o valor da mídia física em que forem disponibilizados.

Com o julgamento das ADI nºs 1.945/MT e 5.659/MG, o STF alterou seu posicionamento, passando a entender que não faria mais sentido a distinção entre softwares feitos por encomenda e softwares “de prateleira”, devendo toda remuneração pela licença ou cessão do direito de uso de software ser entendido como prestação de serviço, umas vez que o software é “produto do engenho humano, é criação intelectual”, sendo “imprescindível a existência de esforço humano direcionado para a construção de um programa de computador (obrigação de fazer)”. Assim, concluiu que a remuneração do licenciamento e cessão de direito de uso de software, inclusive “de prateleira”, está sujeita à incidência do ISS, afastando a incidência do ICMS.

Em razão da mudança na jurisprudência do STF, a Receita Federal do Brasil alterou seu entendimento sobre o assunto, publicando em abril de 2023 a Solução de Consulta COSIT nº 75/2023, por meio da qual consolidou o entendimento de que, na remessa ao exterior para pagamento de licença de uso de software “de prateleira”, incide o IRRF à alíquota de 15% (25% se for para “paraíso fiscal”), nos termos do art. 767 do Decreto nº 9.580/18 (RIR/18), por caracterizar pagamento de royalties. Desta forma, foi alterado o entendimento anterior da RFB, no sentido de não haver incidência do IRRF nestas remessas para o software “de prateleira”.

Por meio da Solução de Consulta COSIT nº 107/2023, a RFB adotou o mesmo entendimento quanto às remessas para pagamento de licença de uso de software, concluindo que incide o IRRF por se tratar de pagamento de royalties.

O enquadramento como royalties se deu com base no art. 7º da Lei nº 9.610/98, que elenca os programas de computador entre as obras intelectuais protegidas; na Lei nº 9.609/98, que estabelece que o uso de software será objeto do contrato de licença; e no art. 22 da Lei nº 4.506/64, que classifica como royalties os rendimentos decorrentes do uso ou exploração econômica dos direitos autorais.

Importante destacar que na Solução de Consulta COSIT nº 107/2023, além da licença de uso de software, foi também feita a análise no que tange à tributação quando se tratar de atualização de software. Segundo a RFB, a atualização envolve caráter de manutenção, sendo, regra geral, acessória ao contrato de licença de uso. Contudo, se houver contratação específica relacionada à atualização do software ou serviços correlatos (e.g. backup do programa), que não seja uma nova licença de uso, restará caracterizada a prestação de serviços técnicos, sujeita à incidência do IRRF à alíquota de 15% (25% para “paraíso fiscal”), nos termos o art. 765 do RIR/18.

Além do IRRF, a Solução de Consulta nº 107/2023 também tratou da incidência da CIDE, do PIS-Importação e da COFINS-Importação, que não havia sido objeto da Solução de Consulta nº 75/2023.

No que tange à CIDE, foi aplicado o disposto no art. 2º, §1º-A da Lei nº 10.168/2000, que expressamente afasta a incidência da CIDE sobre a “a remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador, salvo quando envolverem a transferência da correspondente tecnologia”. Havendo transferência de tecnologia, incide a CIDE à alíquota de 10%.

A Solução de Consulta COSIT nº 107/2023 também trouxe outra mudança de entendimento da RFB, desta vez em relação ao PIS-Importação e à COFINS-Importação.

A RFB, com base na jurisprudência anterior do STF, adotava o entendimento de que o software “de prateleira” era equiparado a uma mercadoria, incidindo estas contribuições sobre o valor da mídia física, uma vez que o art. 7º da Lei nº 10.865/04 estabelece que a base de cálculo destas contribuições é o valor aduaneiro, ao passo que o art. 81 do Regulamento Aduaneiro define que o valor aduaneiro corresponde ao valor do “suporte físico que contenha dados ou instruções para equipamento de processamento de dados”.

Desta forma, nos casos em que o software “de prateleira” era adquirido por meio de download, não haveria a incidência do PIS-Importação e da COFINS-Importação por ausência de suporte físico e, por conseguinte, de valor aduaneiro.

A RFB também havia adotado, em algumas soluções de consulta, o entendimento de que o pagamento pela licença de uso de software seria remuneração por royalties e, portanto, não estaria sujeito à incidência destas contribuições, pois não haveria contraprestação por serviço prestado.

Diante da mudança de entendimento do STF, com a Solução de Consulta COSIT nº 107/2023, a RFB também alterou o seu entendimento acerca da incidência do PIS-Importação e da COFINS-Importação sobre as remessas ao exterior relativas à remuneração pela licença de uso de software, inclusive “de prateleira” e independentemente de haver mídia física ou não, concluindo que incidem estas contribuições sobre estas remessas, por se tratar de contraprestação pelos serviços prestados.

Ocorre que, ao fundamentar seu entendimento em relação a estas contribuições, a RFB adotou o argumento do STF no sentido de que na licença de uso do software haveria uma obrigação de fazer, qual seja, o esforço intelectual na criação do software. Seria este esforço intelectual, existente tanto na criação do software “de prateleira” como naquele feito por encomenda, a prestação de serviço cuja contraprestação seria a remuneração paga pela licença de uso. A RFB adota, inclusive, a legislação do ISS como fundamento, mencionando que o licenciamento ou cessão de uso de programa de computação consta no Item 1.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03.

Neste ponto reside a maior crítica à Solução de Consulta COSIT nº 107/2023, pois fundamenta a incidência do IRRF no entendimento de que o pagamento pela licença de uso de software se enquadra como royalties mas, para fins de incidência do PIS-Importação e COFINS-Importação, o enquadramento é como remuneração por serviços prestados.

Ou seja, em uma mesma solução de consulta atribui-se duas naturezas jurídicas distintas para a remuneração pela licença de uso de software, quais sejam, royalties e remuneração pela prestação de serviços.

Vale ressaltar que na própria Solução de Consulta COSIT nº 107/2023 é mencionada e transcrito um trecho da Solução de Consulta COSIT nº 71/2015, na qual foi esposado o entendimento de que na “remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior, a título de royalties, por simples licença ou uso de marca, ou seja, sem que haja prestação de serviços vinculada a essa cessão de direitos, não caracterizam contraprestação por serviço prestado”.

Por mais que esteja correta a RFB ao adequar seu entendimento à jurisprudência atual do STF, ao fazê-lo deveria ser coerente em sua análise, definindo de forma clara a natureza jurídica da remuneração pela licença de uso de software e, a partir desta definição, determinar o regime tributário aplicável. Não se pode alterar a natureza jurídica de acordo com o tipo de tributo, de forma a alcançar a aplicação do regime tributário almejado.