Modulação de Decisão do STF assusta Contribuintes

O mercado recebeu com preocupação a notícia sobre a recente decisão do STF de modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade das leis estaduais que estabelecem alíquotas majoradas de ICMS sobre energia elétrica e telefonia (RE nº 714.139 – Tema 745).

Isso porque, o Supremo não se limitou a estabelecer que a decisão pela inconstitucionalidade passa a valer apenas a partir do julgamento, como normalmente ocorre, mas fixou a aplicação de seus efeitos a partir do exercício financeiro de 2024. Na prática, portanto, uma exigência reconhecidamente inconstitucional continuará a ocorrer por mais dois anos! Isso implica atribuir aos ministros do STF poderes superiores àqueles detidos pelas assembleias legislativas dos Estados, e até mesmo em relação ao Congresso Nacional (parte das regras sobre ICMS deve ser introduzida por lei complementar).

Pelo que se pode extrair da notícia veiculada no site do STF, a modulação teve por base as perdas estimadas de arrecadação aos Estados, segundo estes na ordem de 26,6 bilhões de reais. Afora a possível quebra dos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois aparentemente não foi aberta a oportunidade para que os sujeitos passivos contraditassem a referida informação, verifica-se uma clara mudança de postura da Corte com relação aos fundamentos que justificam a modulação dos efeitos de suas decisões em matéria tributária.

Analisando as decisões tomadas desde 2006, verificou-se que até recentemente a mera afirmação de perda de arrecadação e sobre a destinação dos recursos para finalidades públicas era considerada insuficiente para justificar a modulação de efeitos. Nesse sentido, vale citar o que escreveu o ministro Joaquim Barbosa no AI nº 531.013/AgR: “…é um truísmo afirmar que os valores arrecadados com a tributação se destinam ao emprego em finalidades públicas. Portanto, não basta ao sujeito ativo apontar a destinação de índole pública do produto arrecadado para justificar a modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, sob o risco de se inviabilizar qualquer pretensão de restituição de indébito tributário”.

Aliás, o próprio ministro Dias Toffoli afirmou em 2010 que não via razões para modular os efeitos de uma decisão reconhecendo a inconstitucionalidade de uma determinada exigência tributária “…a fim de impedir que as pessoas busquem um direito reconhecido pela mais alta Corte do país.” (RE nº 363.852/MG), bem como que a “…mera alegação de perda de arrecadação não é suficiente para comprovar a presença do excepcional interesse social a justificar a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade na forma pretendida. (REs nos 559.937/ED e 595.838/ED)”

É verdade também que não é inédito que o STF mantenha a vigência de determinada norma jurídica considerada inconstitucional por um período após o julgamento, como ocorreu na ADI nº 429/CE (incentivos fiscais de ICMS a pessoas com deficiência) e nas ADIs nos 4.357 e 4.425 (inconstitucionalidade da moratória estabelecida pela E.C. 62/2009 para a quitação de precatórios dos Estados e Municípios).

Essas decisões, no entanto, levaram em conta impactos que iam além da perda de arrecadação tributária pelas pessoas políticas envolvidas, gerando danos sociais superiores àqueles provocados pelas próprias normas jurídicas consideradas inconstitucionais nos julgamentos em questão.

No caso recente, ao que tudo indica, prevaleceu o interesse arrecadatório sobre a preservação da própria força normativa do texto constitucional e a proteção dos direitos individuais dos pagadores de tributos. Além disso, a ressalva quanto às medidas judiciais em curso, embora correta quando ocorre a modulação, ganha efeitos indesejados quando se projeta a produção de efeitos da decisão do STF para exercício financeiro futuro, considerando-se que, no caso julgado, estava em discussão a tributação sobre operações essenciais para o setor produtivo em geral (um dos motivos do reconhecimento da inconstitucionalidade das alíquotas majoradas), atingindo praticamente todas as empresas brasileiras.

A segregação dos sujeitos passivos entre aqueles que fruirão imediatamente da redução de sua carga tributária – inclusive para o passado – e outros que somente se beneficiarão da medida a partir de 2024 certamente gerará uma quebra da isonomia e efeitos nefastos na livre concorrência, distorcendo a livre formação de preços na economia nacional. Pode-se abrir espaço, ainda, para um mercado secundário de aquisição de direitos decorrente dessas medidas judiciais em andamento, o que é um verdadeiro despropósito.

De qualquer maneira, fica o alerta sobre a necessidade de se antecipar aos julgamentos de temas tributários relevantes e ajuizar as ações correspondentes anteriormente ao início dos julgamentos, mitigando o risco de sofrer os efeitos de eventual modulação de efeitos.