MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.184/23 ALTERA REGRAS DE TRIBUTAÇÃO DE FUNDOS DE INVESTIMENTOS

Foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União de 28 de agosto de 2023 a Medida Provisória nº 1.184/23, que dispõe sobre a tributação de aplicações em fundos de investimento no país.

A principal alteração da MP é a ampliação do “come-cotas”, que antes estava restrito aos fundos de investimento abertos. Com a MP, os fundos de investimento fechados também passarão a ser tributados periodicamente no último dia dos meses de maio e novembro.

A MP manteve a alíquota do “come-cotas” de 20% para fundos classificados como de curto prazo e de 15% para os fundos de longo prazo. No momento da distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou alienação de cotas será aplicado um percentual complementar à alíquota do “come-cotas”, para que se totalize a alíquota aplicável de acordo com o prazo de aplicação, que é de 22,5% para aplicações até 180 dias; 20% para aplicações de 181 até 360 dias; 17,5% em aplicações de 361 e 720 dias; e 15% para aplicações acima de 720 dias.

Também define a MP que o custo de aquisição das cotas dos fundos de investimento corresponde ao valor do preço pago na sua aquisição, acrescido da parcela do valor patrimonial da cota que tiver sido tributada anteriormente, no que exceder o custo de aquisição inicial e diminuído das parcelas do custo de aquisição que tiverem sido computadas anteriormente em amortizações de cotas.

Interessante notar que a MP deixou mais clara a forma de apuração da base de cálculo do IRRF, em especial no caso de amortização. No resgate não há grandes mudanças, correspondendo a base de cálculo à diferença positiva entre o preço do resgate da cota e o custo de aquisição da cota. Da mesma forma, na alienação, a base de cálculo corresponde à diferença positiva entre o preço da alienação da cota e o custo de aquisição da cota.

A principal mudança ocorreu na apuração da base de cálculo na amortização, que a MP expressamente determina que corresponde à diferença positiva entre o preço da amortização e a parcela do custo de aquisição da cota calculada com base na proporção que o preço da amortização representar do valor patrimonial da cota.

Antes da MP, a legislação definia a base de cálculo na amortização como sendo o valor que excedesse o respectivo custo de aquisição. Esta redação abria margens para interpretações, pois uma corrente defendia que seria possível atribuir a amortização diretamente ao custo de aquisição, ao passo que outra corrente entendia que deveria ser feita a proporcionalização entre custo de aquisição e valorização patrimonial da cota. Prevaleceu, portanto, este segundo entendimento, que de fato faz mais sentido e evita abusos com o intuito de reduzir ou postergar a tributação.

Outra importante alteração diz respeito à tributação na alienação das cotas. Na regra anterior, o imposto de renda sobre o ganho de capital era recolhido pelo próprio cotista.

Agora, caberá ao administrador do fundo recolher o imposto de renda na fonte, sendo que o cotista deverá prover previamente ao administrador do fundo de investimento os recursos financeiros necessários para o recolhimento do IRRF, podendo o administrador do fundo dispensar o aporte de novos recursos, ficando vedada a transferência das cotas caso o administrador não possua os recursos necessários para efetuar o pagamento do imposto no prazo legal.

Foram excluídos do “come-cotas”, desde que se enquadrem como entidades de investimento, os Fundos de Investimento em Participação (FIP), os Fundos de Investimento em Ações (FIA) e os Fundos de Investimento em Índice de Mercado (ETF), exceto ETFs de Renda Fixa.

Esta exigência de enquadramento como entidade de investimento para não incidência do “come-cotas” é interessante porque alinha a legislação tributária com a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A Instrução CVM nº 579 define os critérios para que os fundos se enquadrem como entidades de investimento, sendo importantes para tal enquadramento que o fundo possua mais de um investimento, tenha mais de um cotista, tenha cotistas que não influenciam ou não participam da administração das entidades investidas ou não sejam partes ligadas aos administradores dessas entidades.

Contudo, a MP vai além da regulamentação da CVM, dispondo que “serão classificados como entidades de investimento os fundos que tiverem estrutura de gestão profissional, no nível do fundo ou de seus cotistas quando organizados como fundos ou veículos de investimentos, no Brasil ou no exterior, representada por agentes ou prestadores de serviços com poderes para tomar decisões de investimento e desinvestimento de forma discricionária, com o propósito de obter retorno por meio de apreciação do capital investido, renda ou ambos, na forma a ser regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional – CMN”.

Esse alinhamento da MP com a regulamentação da CVM tem como intuito coibir a utilização de fundos exclusivos, que geralmente não se enquadram como entidade de investimento, como forma de planejamento tributário. Assim, os FIP que não se enquadrarem como entidade de investimento estarão sujeitos ao “come-cotas”.

Importante também destacar que a MP traz regras específicas para os FIP, FIA e ETF sujeitos ao “come-cotas” com subconta de avaliação participações societárias, dispondo que para fins de apuração da base de cálculo do imposto, não será computada a contrapartida positiva ou negativa decorrente da avaliação de quotas ou ações de emissão de pessoas jurídicas domiciliadas no País representativas de controle ou coligação integrantes da carteira dos fundos. Os ganhos ou perdas decorrentes desta avaliação deverão ser evidenciados em subcontas no fundo.

A subconta será revertida e o seu saldo comporá a base de cálculo do IRRF no momento da realização do respectivo ativo pelo fundo, inclusive por meio da alienação, baixa, liquidação, amortização ou resgate do ativo, ou no momento em que houver a distribuição de rendimentos aos cotistas, sob qualquer forma, inclusive na amortização ou resgate de cotas.

Esta regra basicamente estabelece o Método da Equivalência Patrimonial (MEP) para os fundos de investimento que não se enquadrarem como entidade de investimento.

Caso estes fundos sejam titulares de cotas de outros fundos, deverão registrar no patrimônio uma subconta reflexa equivalente à subconta registrada no patrimônio do fundo investido.

A ausência de controle em subcontas implicará a tributação dos rendimentos da aplicação na cota do fundo integralmente e, caso seja apurada perda sem o controle em subconta, esta perda não poderá ser deduzida do rendimento bruto submetido à incidência do IRRF.

Outra mudança trazida pela MP diz respeito à fusão, cisão, incorporação ou transformação de fundo de investimento. Estas operações, atualmente, não são tributadas caso o patrimônio do fundo incorporado, cindido ou fundido seja transferido, ao mesmo tempo, para o fundo sucessor; não haja qualquer disponibilidade de recursos para o cotista por ocasião do evento, nem transferência de titularidade das cotas; e a composição da carteira do novo fundo não enseje aplicação de regime de tributação que preveja alíquotas inferiores às do fundo extinto.

A MP passou a prever que na hipótese de fusão, cisão, incorporação ou transformação de fundo de investimento a partir de 1º de janeiro de 2024, os rendimentos correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial da cota na data do evento e o custo de aquisição da cota ficarão sujeitos à retenção na fonte do IRRF, à alíquota aplicável aos cotistas do fundo, naquela data. Não sofrerão a incidência do IRRF nestes eventos os FIP, FIA e ETF que não estiverem sujeitos ao “come-cotas”.

Tendo em vista a utilização dos fundos como instrumento de planejamento tributário e sucessório, a MP prevê que, para as cotas de fundos de investimento gravadas com usufruto, o tratamento tributável levará em consideração o beneficiário dos rendimentos, ainda que esse não seja o proprietário da cota.

No que tange aos investidores não-residentes, incide o IRRF à alíquota de 15% sobre os rendimentos de fundos em geral e a alíquota de 10% sobre os rendimentos de FIA. Para os residentes em paraíso fiscal, a alíquota sobre os rendimentos de FIA será de 15%.

Nos casos em que o regulamento do fundo de investimento previr diferentes classes de cotas, com direitos e obrigações distintos e patrimônio segregado para cada classe, observada a regulamentação da CVM, cada classe de cotas será considerada como um fundo de investimento para fins de aplicação das regras de tributação previstas na MP.

Como esperado, a MP também traz regras de transição, cabendo destacar a previsão de que os rendimentos apurados até 31 de dezembro de 2023 nas aplicações nos fundos de investimento que não estavam sujeitos, até o ano de 2023, à tributação periódica nos meses de maio e novembro de cada ano e que estarão sujeitos à tributação periódica a partir do ano de 2024, serão apropriados pro rata tempore até 31 de dezembro de 2023 e ficarão sujeitos ao IRRF à alíquota de quinze por cento. Este imposto poderá ser recolhido em até 24 parcelas mensais e sucessivas, com pagamento da primeira parcela até 31 de maio de 2024, sendo que as parcelas serão atualizadas pela taxa Selic.

Alternativamente, o cotista poderá optar por pagar o IRRF mencionado no parágrafo anterior sobre os rendimentos das aplicações nos fundos de investimentos à alíquota de dez por cento, em duas etapas, devendo primeiro pagar o imposto sobre os rendimentos apurados até 30 de junho de 2023; e, subsequentemente, pagar o imposto sobre os rendimentos apurados de 1º de julho de 2023 a 31 de dezembro de 2023.

Estas regras de transição são questionáveis, pois, ao pretender tributar rendimentos anteriores à vigência da nova norma, há verdadeira violação ao princípio da irretroatividade tributária, estabelecida no art. 150, inciso III, alínea ‘a’, da Constituição Federal, o que provavelmente levará a judicialização do tema.

Vale lembrar que o Supremo considerou inconstitucional regra semelhante em relação ao lucro acumulado por controladas e coligadas no exterior anteriormente à entrada em vigor da MP nº 2.158-38/2001, justamente por violar o princípio da irretroatividade tributária (ADI nº 2.588, Plenário, 10/04/2013, DJ 10/02/2014).

É importante destacar que a MP não altera as regras de tributação dos Fundos de Investimento Imobiliário (FII); dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro); dos investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em fundos de investimento em títulos públicos, em FIPs e Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (FIEE); dos Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE); dos Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I); dos fundos de investimentos de que trata a Lei º 12.431/11; dos fundos de investimentos com cotistas exclusivamente residentes ou domiciliados no exterior; e dos ETFs de Renda Fixa.

Por fim, cabe a ressalva que a Medida Provisória ainda terá que ser convertida em lei pelo Congresso Nacional, podendo sofrer alterações em sua redação.

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