MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.171 ALTERA REGRAS DE TRIBUTAÇÃO DE INVESTIMENTOS DE PESSOA FÍSICA NO EXTERIOR

Foi publicada a Medida Provisória nº 1.171, de 30 de abril de 2023, que altera a tributação da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior.

A referida MP dispõe que, a partir de 1º de janeiro de 2024, os rendimentos do capital aplicado no exterior, nas modalidades aplicações financeiras, lucro e dividendos de entidades controladas e bem e direitos objeto de trust, serão tributados de forma separada dos demais rendimentos e ganhos de capital. As alíquotas serão aplicadas de acordo com a tabela abaixo:

AlíquotaFaixa de Rendimento
0%Até R$ 6.000,00
15%Acima de R$ 6.000,00 e até R$ 50.000,00
22,5%Acima de R$ 50.000,00

A MP traz um rol exemplificativo do que seriam as aplicações financeiras, elencado os depósitos bancários, certificados de depósitos, cotas de fundo de investimentos, depósitos em cartão de crédito, certificados de investimento ou operações de capitalização, entre outros.

Ao trazer apenas um rol exemplificativo, sem trazer uma definição clara e critérios para classificar uma aplicação financeira, a MP deixa margem para que as autoridades fiscais incluam outros tipos de aplicações, o que gera certa insegurança jurídica pela indefinição do conceito.

Da mesma forma, a MP estabelece, mais uma vez de forma exemplificativa, os rendimentos das aplicações financeiras, elencando a variação cambial da moeda estrangeira frente à moeda nacional, juros, prêmios, comissões, ágio, deságio, participações nos lucros, dividendos e ganhos em negociações no mercado secundário, incluindo ganhos na venda de ações das entidades não controladas em bolsa de valores no exterior.

Estes rendimentos serão computados na Declaração de Ajuste Anual e tributados pelo IRPF no momento em que forem efetivamente percebidos pela pessoa física, no resgate, na amortização, na alienação, no vencimento ou na liquidação das aplicações financeiras.

Outra grande alteração trazida pela MP diz respeito às entidades controladas no exterior. Percebe-se que a nova regra tenta aproximar a tributação das pessoas físicas às regras de tributação das pessoas jurídicas que possuem entidades controladas no exterior.

Nos termos da MP, são consideradas como entidades controladas as sociedades e demais entidades, personificadas ou não, o que inclui fundos de investimento e fundações.

O controle da entidade restará configurado quando a pessoa física detiver, de forma direta ou indireta, isoladamente ou em conjunto com outras partes, inclusive em função da existência de acordos de votos, direitos que lhe assegurem preponderância nas deliberações sociais ou poder de eleger ou destituir a maioria dos seus administradores; ou quando possuir, direta ou indiretamente, isoladamente ou em conjunto com pessoas vinculadas, mais de 50% de participação no capital social, ou equivalente, ou nos direitos à percepção de seus lucros, ou ao recebimento de seus ativos na hipótese de sua liquidação.

Importante destacar que, além de cônjuge, companheiro ou parentes consanguíneos até terceiro grau, a MP inclui como pessoa vinculada a pessoa jurídica residente no Brasil na qual a pessoa física for sócia, titular ou cotista e a pessoa física que for sócia da pessoa jurídica da qual a pessoa física residente no País seja sócia, titular ou cotista.

De acordo com a MP, os lucros apurados a partir de 1º de janeiro de 2024 pelas entidades controladas no exterior que sejam residentes em paraíso fiscal ou que sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiados ou que apurem renda ativa própria inferior a 80% da renda total, serão tributados em 31 de dezembro de cada ano. Estes lucros deverão ser apurados em balanço anual da controlada no exterior e computados na Declaração de Ajuste Anual, em 31 de dezembro do ano em que forem apurados no balanço, independentemente de qualquer deliberação acerca da sua distribuição, na proporção da participação da pessoa física no capital social, ou equivalente, da controlada no exterior, e submetidos à incidência do IRPF no respectivo período de apuração.

Ora, percebe-se aqui que a MP claramente afastou o regime de caixa para a pessoa física e aproximou-a do regime aplicável às pessoas jurídicas, ao prever a incidência do IRPF no momento em que é apurado o lucro no balanço da controlada. Isso abre margens a questionamentos, principalmente na esfera judicial, sobre tal tributação, haja vista que não há efetiva disponibilização dos lucros à pessoa física pela mera apuração de lucro pela investida (v.g. por meio da distribuição de dividendos). Essa questão se torna ainda mais grave quando a controlada for domiciliada em país que possua tratado com o Brasil, situação que pode correr quando a entidade apurar renda ativa própria inferior a 80% da renda total.

Interessante notar que o lucro apurado irá aumentar o custo de aquisição declarado na ficha de bens e direitos, o que reduzirá o IRPF sobre ganho de capital na eventual alienação da participação societária. Da mesma forma, se os lucros forem distribuídos por meio de dividendos, o custo de aquisição deverá ser reduzido por este valor.

Também prevê a MP que poderão ser deduzidos do lucro da controlada os prejuízos apurados em balanço, pela própria controlada, desde que referentes a períodos posteriores à data de produção de efeitos da MP e anteriores à data da apuração dos lucros. Além disso, o imposto recolhido no exterior sobre o lucro poderá ser deduzido do IRPF até o limite do imposto pago no Brasil.

No que tange às demais entidades, que não sejam residentes em paraíso fiscal ou que sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado, ou que apurem renda ativa própria superior a 80% das receitas totais, a MP expressamente prevê que somente serão tributados os lucros que forem efetivamente disponibilizados.

Consideram-se disponibilizados os lucros no pagamento, no crédito, na entrega, no emprego ou na remessa dos lucros, o que ocorrer primeiro; ou em quaisquer operações de crédito realizadas com a pessoa física, ou com pessoa a ela vinculada, se a credora possuir lucros ou reservas de lucros.

Além das alterações acima, a grande novidade da MP é a regulamentação do tratamento dado aos trusts no exterior. Por ser um instrumento inexistente no ordenamento jurídico Brasileiro, sendo comum nos países de common law, motivo pelo qual não havia previsão específica sobre sua tributação no Brasil.

Dispõe a MP que os bens e direitos objeto do trust serão considerados como permanecendo sob titularidade do instituidor do trust (settlor). Quando os bens forem transferidos ao beneficiário, esta transferência será considerada uma doação ou transmissão causa mortis (quando o instituidor tiver falecido). Enquanto não for feita a transferência ao beneficiário, os rendimentos e ganhos de capital dos bens e direitos objeto do trust serão submetidos ao IRPF pelo instituidor. Após a transferência, a tributação será feita pelo beneficiário.

Os bens e direitos objeto do trust, independentemente da data da sua aquisição, deverão, a partir de 1º de janeiro de 2024, em relação à data-base de 31 de dezembro de 2023, ser declarados diretamente pelo titular na Declaração de Ajuste Anual, pelo custo de aquisição.

A MP prevê uma regra de transição para aqueles que já declararam o trust em anos anteriores. Neste caso, o trust declarado anteriormente deverá ser substituído pelos bens e direitos subjacentes, alocando-se o custo de aquisição para cada um desses bens e direitos, considerando a proporção do valor de cada bem ou direito frente ao valor total do patrimônio objeto do trust. Caso a pessoa que tenha informado anteriormente o trust seja distinta do titular estabelecido pela MP, o declarante poderá, excepcionalmente, ser considerado como o titular para efeitos do IRPF.

Por tratar a MP exclusivamente do Imposto de Renda, a incidência do ITCMD, neste caso, permanece inalterada.

Outrossim, a MP estabeleceu a possibilidade de atualizar o valor dos bens e direitos no exterior informados na sua Declaração de Ajuste Anual para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2022, e tributar a diferença para o custo de aquisição, pelo IRPF, à alíquota definitiva de 10%. O imposto deverá ser pago até 30 de novembro de 2023.

Essa possibilidade se aplica somente às aplicações financeiras, bens imóveis em geral ou ativos que representem direitos sobre bens imóveis, veículos, aeronaves, embarcações e demais bens móveis sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária, participações em entidades controladas, bem como bens e direitos objeto de trust. Não é necessário que a opção seja exercida para todos os bens ou direitos, podendo ser escolhidos aqueles que terão seu valor atualizado e, por conseguinte, tributados.

Vale destacar que não poderão ser objeto de atualização os bens ou direitos que não tiverem sido declarados na Declaração de Ajuste Anual relativa ao ano-calendário de 2022, entregue até o dia 31 de maio de 2023; bens ou direitos que tiverem sido alienados, baixados ou liquidados anteriormente à data da formalização da opção de que trata este artigo; e- joias, pedras e metais preciosos, obras de arte, antiguidades de valor histórico ou arqueológico, animais de estimação ou esportivos e material genético de reprodução animal, sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária.

Especificamente no caso de controladas no exterior, a pessoa física que tiver optado pela atualização até 31 de dezembro de 2022 poderá optar, separadamente, por atualizar o valor de mercado para o período de 1º de janeiro de 2023 a 31 de dezembro de 2023, com pagamento do IRPF pela alíquota definitiva de 10%. Este imposto deverá ser pago até 31 de maio de 2024.

Por fim, a MP alterou os valores da tabela mensal do imposto sobre a renda das pessoas físicas, para os seguintes valores:

Base de CálculoAlíquotaParcela a  Deduzir do IR
Até 2.112,00ZeroZero
De 2.112,01 até 2.826,657,5%158,40
De 2.826,66 até 3.751,0515%370,40
De 3.751,06 até 4.664,6822,5%651,73
Acima de 4.664,6827,5%884,96

Por fim, cabe a ressalva que a Medida Provisória ainda terá que ser convertida em lei pelo Congresso Nacional, podendo sofrer alterações em sua redação.